A minha convidada de hoje é uma mulher como nós. Podíamos ser nós, na verdade. Mulher, esposa, filha, e mãe, ela descobriu um cancro numa das alturas mais sensíveis da vida de uma mulher, a gravidez. Não imagino o que ela possa ter sentido, mas acredito que ela mesma nos poderá contar e ensinar-nos como suportar uma dor tão grande e ainda assim permanecer fiel ao Deus que nos ama. Este espaço existe para partilhar testemunhos que nos edifiquem e nos fortaleçam e por isso eu desafiei a Gi para este Espelho da Alma.
O nome Gisele pode ter dois significados: "refém" ou "a que maneja a lança com destreza". Acho curioso, porque ela ficou realmente refém de uma doença, mas decidiu ser a que maneja a lança com destreza e lutou esta batalha como um soldado que sabe quem é o Seu Capitão. E venceu. Porque Deus vence sempre, mesmo que pareça que não. Mas sem mais demoras, vamos conhecê-la...
Gi, fala-nos um pouco de ti. Como é que conheceste Jesus e quem era Ele na tua vida antes de receberes a notícia de que tinhas cancro?
O meu nome é Gisele Fernandes Procenia Mamjua, sou brasileira, moro em Portugal há 10 anos, sou casada com um agolano e desta união tivemos dois filhos, Pamini de 7 anos e Noah de 2.
Nasci numa família católica praticante, fui batizada quando nasci, tínhamos de ir à missa todos os domingos, fazer a primeira comunhão, crisma, tínhamos que saber todas as rezas de todos os santos.
Perdi o meu pai muito nova, com 10 anos de idade, e desde então entrei em depressão e apegava-me a rezas, missas e anti-depressivos para poder viver. No ano de 2008, estava a vir do trabalho de autocarro, a ler um livro de autoajuda, quando de repente, se senta ao meu lado uma doida e me pergunta o que eu estava a ler. Eu respondi: "O Segredo" e ela perguntou-me "esse livro é sobre o quê"? Respondi que era um livro de autoajuda, e ela então disse-me que conhecia um livro verdadeiro e eficaz de autoajuda - A Bíblia. Pensei eu: "lá vem uma crente me encher o saco" (aborrecer-me).
Ela ficou uma hora a falar da Bíblia, e depois convidou-me para visitar a igreja dela, e eu disse que iria, só para a despachar.
Fui para casa e comentei com o meu namorado, atualmente meu marido, e fiquei curiosa para saber se o Deus de quem ela falava era o mesmo que eu achava que conhecia. E desde então fiquei a saber que Ele era muito mais do que aquilo que eu imaginava ou conhecia. Desde que conheci verdadeiramente Jesus sabia que ele era capaz de tudo, mas tudo mesmo, e quando recebi a notícia do cancro pensei: vou morrer, mas se essa for a vontade de Deus que assim seja, pois se Ele me deu um filho, que tanto desejei, Ele fará conforme a Sua vontade para a minha vida.
Mas não é fácil, mesmo confiando em Deus, aceitar uma notícia destas.
Mas não é fácil, mesmo confiando em Deus, aceitar uma notícia destas.
Tens uma família linda e estavas grávida do teu segundo rebento quando descobriste que tinhas cancro, com sete meses de gestação. O que é que sentiste quando o médico te deu o diagnóstico?
Sabes, como eu disse antes, a primeira coisa que me veio a cabeça foi: vou morrer. Fiquei muito revoltada, chorei durante uma semana inteira sem parar, que foi o prazo que os médicos me deram para o bebé nascer. Dado o estado avançado da doença eu precisava de começar logo a quimioterapia.
Fala-nos um pouco sobre o diagnóstico, para que as pessoas entendam a seriedade da situação. O que começou por ser e no que se tornou. O que é o que aconteceu durante o processo e quais eram os prognósticos médicos?
Um mês antes do diagnóstico eu sentia muitas dores na mama e queixei-me à médica duas ou três vezes, mas ela dizia que era normal pois o meu peito já tinha muito leite, e que não era nada daquilo que eu estava a pensar. Ela achava-me muito nova para ter esta maldita doença. Mas como eu já tinha tido uma filha e também tive muito leite, eu sabia que não era bem assim, e não achava normal tanta dor. Então pedi para fazer exames mais profundos. A médica mandou-me fazer uma ecografia, e quando foi feito o exame pediram logo uma biópsia, que confirmou aquilo que eu já suspeitava.
Passados dois meses, o médico mandou-me fazer exames e acabou por descobrir 5 nódulos no fígado. Muito preocupado disse que se a quimioterapia não destruísse esses nódulos não havia nada a fazer, pois devido ao local onde eles estavam alojados era arriscado fazer qualquer tipo de cirurgia. Depois de seis meses intensos de quimioterapia, o cancro da mama e do fígado desapareceram. Fiquei seis meses “limpa”, mas como voltei a ter o período novamente (que deixamos de o ter quando fazemos quimioterapia), as hormonas desenvolveram novamente o tumor e foi nessa altura que descobriram que o tipo de cancro que eu tinha era hormonal. Tive que voltar a fazer quimioterapia e depois uma mastectomia, seguida de radioterapia.
Passados dois meses, o médico mandou-me fazer exames e acabou por descobrir 5 nódulos no fígado. Muito preocupado disse que se a quimioterapia não destruísse esses nódulos não havia nada a fazer, pois devido ao local onde eles estavam alojados era arriscado fazer qualquer tipo de cirurgia. Depois de seis meses intensos de quimioterapia, o cancro da mama e do fígado desapareceram. Fiquei seis meses “limpa”, mas como voltei a ter o período novamente (que deixamos de o ter quando fazemos quimioterapia), as hormonas desenvolveram novamente o tumor e foi nessa altura que descobriram que o tipo de cancro que eu tinha era hormonal. Tive que voltar a fazer quimioterapia e depois uma mastectomia, seguida de radioterapia.
Como é uma mulher sendo cristã recebe uma notícia destas? Como é lidaste com isso diante de Deus?
Por vezes nós cristãos achamos que servir a Deus nos livra de certas coisas, mas não é bem assim, custa mas temos que entender que servir também requer sacrifícios que jamais imaginávamos que iríamos passar.
Em algum momento sentiste que a tua fé se abalou?
Infelizmente até hoje por vezes a minha fé se abala quando algo muito forte me tenta abater. Muitas vezes pensei em desistir de crer que Deus me poderia curar, pensava que Ele me estava a castigar com a doença, tanto que por muito tempo eu deixei de orar, apenas me ajoelhava e chorava, mas Deus sabia que aquele meu gesto era um pedido de socorro, um entregar totalmente a minha vida a Ele.
Tenho aprendido que a dor e sofrimento têm o condão de ou nos colar ou de nos afastar completamente de Deus. Como foi contigo? O que é que aprendeste em Deus neste processo tão doloroso?
Aprendi tanta coisa amiga, primeiramente apeguei-me a Deus e pus a minha fé em ação. Descobri que a dor me torna mais forte, descobri que afastar-me de Deus não era a solução pois se com Ele as coisas estavam difíceis, sem Ele seriam impossíveis. Embora muitas vezes me tenha afastado e tenha me revoltado contra Ele, sou humana eu falho, e falhei muito, mas tenho a certeza que Ele compreendia a minha dor e perdoava as minhas fraquezas.
Nunca há um bom momento para se ter uma doença grave, mas no teu caso acho que posso dizer que veio no pior momento possível. Como é que isso influenciou a forma como te tornaste mãe do Noah?
Sabes, eu muitas vezes em conversa com Deus dizia o seguinte: Deus eu pedi-te um filho, e não uma doença, como é que eu vou cuidar de um bebé sem eu ter saúde????
É triste o que eu vou dizer, mas muitas vezes olhava para o meu lindo filho e culpava-o pela doença que eu estava a passar, muitas da vezes desejei não o ter tido para não ter que passar por isso, achava que eu não era uma boa mãe para o meu filho. Eu não consegui curtir o meu filho de verdade até aos seis meses de vida dele, pois não tinha forças.
Hoje, depois de descobrir o quão forte sou, se eu pudesse escolher, não ter o meu filho e ser saudável e ter meu filho e passar pela doença, eu passaria por tudo outra vez para tê-lo, pois hoje sei que Deus jamais nos abandonou.
Romanos 8:28 diz que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Hoje, já mais à distância, consegues perceber que foi assim contigo?
Sei que Deus tem um propósito para esta minha dor, mas confesso que ainda não sei ao certo qual, mas como diz a Bíblia: Nunca vi um justo desamparado. Eu creio que mais à frente saberei e cumprirei o propósito pelo qual Deus me permitiu passar por tudo isto.
Sei que tinhas um cabelo comprido encaracolado lindo que adoravas. E o cabelo é das primeiras evidências fisicamente falando, de que o nosso corpo está doente. Ele começa a cair e essa é só a primeira de muitas mudanças. Só posso imaginar o que é olharmo-nos ao espelho e vermos aquilo que conhecemos transformar-se sem que nada possamos fazer para o impedir. Parece quase uma metáfora da nossa total ausência de controlo. Sentes que Deus fez isso contigo? Te tirou o controlo para te fazer de novo?
Uaaauuu!!!!! Chorei agora. Eu sempre amei o meu cabelo e nós mulheres somos vaidosas, o cabelo para nós é tudo, o cabelo é quase a nossa identidade. Quando o meu cabelo começou a cair para mim foi o fim do mundo, cortei curtinho a achar que iria amenizar a minha dor, mas o couro cabeludo continuava a doer muito, então decidi rapar em casa. Senti-me um ET, perdi a minha identidade, já não era mais eu.
Eu era magra e elegante, e depois da gravidez, mesmo passado dois anos, o meu corpo ainda não voltou ao normal devido às injecções de hormonas e da cortisona.
Um dia, inconformada, perguntei a Deus: Pai por que me tiraste tudo aquilo de que eu gostava (cabelo e corpo)? e Ele respondeu-me alto e em bom som: Porque quero que as pessoas gostem de ti pelo que tu és por dentro e não só pelo que és por fora. Depois restituirei tudo o que foi perdido.
Foi tão bom ouvir a voz de Deus a responder-me a esta pergunta que não se calava dentro de mim, mas ao mesmo tempo foi tão doloroso ouvir tal resposta.
Em algum momento desejaste partir para junto de Deus?
Quando eu vinha da quimioterapia, chegava a casa e deparava-me com o meu filho cheio de cólicas e ,durante quase dois meses, ele chorava da meia-noite às cinco da manhã direto e só se calava no meu colo. Nesses momentos de desespero, com as dores e o cansaço do tratamento eu dei por mim várias noites a pedir a Deus que me levasse, pois eu achava que não suportaria por muito tempo.
Em algum momento neste processo sentiste medo?
Sim, muito, tinha medo de morrer e deixar os meus filhos e as pessoas que me amavam.
Para os nossos leitores compreenderem melhor, atualmente, segundo os médicos, estás curada? O que é significa isso para um doente oncológico?
Eu há pouco tempo ouvi que um doente oncológico nunca está curado, pois sempre vai ter com que se preocupar. Vou dar um exemplo, depois de seis meses de tratamento um médico disse-me que eu estava curada, e passados exatos seis meses a doença voltou à tona e tive que me tratar novamente.
Agora eu estou bem, ja fui operada, fiz mastectomia, e estou à espera de uma nova cirurgia para reconstrução da mama, mas eu Gisele, pela fé, já me sinto curada.
Como é que o mundo mudou para ti depois de viveres esta experiência?
Eu passei a ver as coisas de outra forma, passei a dar mais valor às pessoas que realmente são importantes para mim, passei a não dar importância ao que dizem sobre mim, passei a viver a cada dia como se fosse o último, digo muito mais vezes "Eu Te Amo", e aprendi a diferenciar as pessoas que passaram pela minha vida pois elas nem sempre estavam ao meu lado por amor, algumas delas passaram e se diziam amigas mas era apenas por interesse e depois de tudo o que eu passei já não tenho paciência para manter na minha vida pessoas interesseiras. Já não choro por tudo e nada, já não mendigo mais amor nem atenção de ninguém.
E Deus. Como é que é o teu relacionamento com Deus hoje? Sentes-te um pouco como Jó?
Eu hoje tento procurar cada vez mais a Deus e confesso que nem sempre é tão fácil, nessa correria da vida, com dois filhos, ainda a fazer tratamentos e muitas consultas sempre, sei que preciso buscar mais a Deus e peço que ele aumente a minha fé pois às vezes sinto a minha vida parada no tempo, sinto que vivo só em função da doença e do tratamento.
Sinto-me como Jó sim por vezes, e o que me alegra e me anima é que Deus estava sempre lá com Jó e restituiu tudo o que lhe foi roubado. Creio que Deus assim fará comigo, por isso peço sempre que Deus me dê acima de tudo a fé a e paciência de Jó para esperar o tempo Dele.
O teu marido foi muito importante em todo este processo. Vocês viveram o "na saúde e na doença" e isso nem sempre é fácil para um casamento. Como é que um casal vive e sobrevive a uma doença destas?
O meu marido, depois de Deus, foi o meu porto seguro, o meu abrigo, o meu saco de pancada como ele mesmo diz, o meu pai muitas vezes, eu não gosto desta expressão, mas era assim.
Muitas das vezes ele só me dizia assim: eu não posso tirar as tuas dores, não sei o que tu estás a sentir, mas eu estou aqui, fala, grita, chora e se te aliviar a dor e se for necessário bate-me, se isso ajudar.
Um casal só sobrevive a este “terramoto” se for amor verdadeiro, e mesmo assim é um desgaste tão grande que confesso que muitas vezes eu pensei que o meu casamento não sobreviveria. Passámos por momentos muito difíceis, ficámos sem sequer encostar um ao outro durante uns dois meses. E só queríamos que Deu nos desse força para suportar tudo isto.
E os teus filhos? Como é que eles entram nesta equação? O Noah nasceu literalmente no meio da dor e a Pamini teve de crescer com isso. Como é que lidaste com duas crianças em idades tão distintas e como é que eles, principalmente a mais velha, lidaram com uma mãe que estava durante tanto tempo doente?
Como disseste o Noah não tinha consciência de nada, era muito novinho e ainda não se apercebia da situação, mas vou contar como Deus o usou. A quimioterapia deixa uma pessoa completamente debilitada e o corpo só quer cama. Deus usava o meu filho através do choro dele (e só hoje eu entendo isto), para me manter de pé, senão eu passaria o tempo todo entregue à cama e talvez hoje não estivesse aqui para vos contar a minha história.
A Pamini já tinha cinco anos, e lá entendia muita coisa, mas ao princípio ela estava com ciúmes do Noah, e quando o irmão nasceu eu tive de ficar internada por uns dias. então ela achou que eu já não queria vir para casa, que eu só queria estar com o bebé e não queria saber dela. Quando eu vim para casa eu passava grande parte do meu tempo no quarto com o bebé e muitas das vezes não a via sair de manhã, nem a via chegar da escola, e ela continuava com esse pensamento. Eu tive de lhe explicar a situação toda para que ela não pensasse mais isso. Depois de tudo explicado havia dias em que ela chorava muito na escola com medo da mãe morrer, e quando me apanhava a mim a chorar abraçava-me e orava por mim. De uma maneira muito dura devido a situação, ela amadureceu bastante.
E a igreja, como é sentes que outros cristãos lidam com isto?
Deus colocou na minha vida pessoas que me amam sem eu imaginar o quanto, eu dei por mim com irmãos em quem eu nunca tinha reparado a estender-me a mão com o amor de Cristo, amor verdadeiro, sem pedir nada em troca, assim como tive que lidar com irmãos que eu pensava serem amigos verdadeiros, mas na hora da dor e necessidade me viraram as costas. Sim, isso acontece também dentro da igreja, pois estamos a lidar diariamente com humanos falhos, e pecadores e que por vezes ainda não foram curados.
O cancro tem batido a muitas portas infelizmente. E muitos não conhecem o Jesus que nós conhecemos. Como é que, na tua opinião, Ele pode fazer a diferença numa doença que, em muitos casos, tira a vida?
Quando nós entendemos que Jesus é o dono da Vida, que Ele dá e Ele tira, tudo se torna mais fácil, nós confiamos que Ele é o nosso médico, que Ele está a usar o médico, um ser humano para nos ajudar na cura, e assim tudo se torna mais leve, mais fácil, pois sabemos que Ele tudo pode, que Ele cura.
Se pudesses dar uma palavra a alguém que está a passar por isto, o que dirias?
Eu não posso dizer que é facil, que não dói nada e que isso vai passar rápido, mas posso dizer que se crermos nas promessas de Deus sobre as nossas vidas tudo isso um dia vai ser passageiro. É preciso muita força, muita fé e, acima de tudo, muita força de vontade de viver, lutar, lutar, lutar, cair, levantar e vencer.
Não sei se há mais alguma coisa que gostasses de dizer a quem nos lê, mas o espaço é teu.
O que eu tenho a dizer é que todos os dias eu acordo e preparo-me para a guerra, pois tenho uma batalha por dia, os químicos que ainda estão aqui dentro de mim têm muitos efeitos secundários, cansaço, sono, fadiga, inchaço, mas eu levanto-me da cama, peço a Deus mais um pouco de força, vou fazer uma caminhada para contrariar o cansaço do corpo, e tento levar uma vida normal, mas só eu e Deus sabemos o que se passa cá dentro, só nós sabemos das minhas lutas diárias e Ele capacita-me para vencer mais um dia.
Beijinhos e muita força para quem estiver a passar por tudo isto também, em Jesus somos mais que vencedores.
***
Gi, obrigada pela tua coragem e por teres decidido abrir o teu coração connosco. És uma valente e Deus irá honrar a tua fidelidade! Que o Pai te possa levar mais além e os Seus incríveis propósitos se cumpram na tua vida e de toda a tua linda família.
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